Dra. Débora Christina Ribas D'Ávila

Ed. Life Town Cambui, rua dos Alecrins, 914, sala 408 , fone (19)99478-6060, Campinas, São Paulo, Brazil

02/02/2010

DONALD WOODS WINNICOTT

Donald Woods Winnicott nasceu em 1896 numa família rica de comerciantes em Plymouth, na Inglaterra. Ao entrar na faculdade de Medicina, foi convocado para servir como enfermeiro na Primeira Guerra Mundial, na qual fez as primeiras observações sobre o comportamento humano em situações traumáticas. Especializou-se em pediatria, trabalhando 40 anos no Hospital Infantil Paddington. Paralelamente, preparou-se para ser psicanalista. Trabalhou como consultor psiquiátrico do governo, tratando de crianças afastadas dos pais na Segunda Guerra Mundial. Em 1949, separou-se da primeira mulher, a artista plástica Alice Taylor. Dois anos depois, casou-se com Clare Britton, psicanalista e organizadora dos trabalhos do marido. Foi presidente da Sociedade Britânica de Psicanálise e morreu em Londres, em 1971.

O interesse de Winnicott pelo estudo da construção da identidade veio da percepção da influência sufocante da mãe depressiva em sua personalidade. Ainda criança, Winnicott enveredou pelos caminhos da observação científica ao ler os estudos do naturalista Charles Darwin (1809-1892). Já pediatra, conheceu a obra de Sigmund Freud (1856-1939), fez terapia e freqüentou o grupo de Bloomsbury - integrado, entre outros, pela escritora Virginia Woolf (1882-1941) -, em que a psicanálise era tema recorrente.


"O precursor do espelho é o rosto da mãe."


"O buscar só pode vir a partir do brincar rudimentar. É apenas assim que o criativo pode emergir."

Muitos problemas da fase adulta estariam vinculados a disfunções ocorridas entre a criança e o "ambiente", representado geralmente pela mãe.

O self (em inglês, palavra que se refere à própria pessoa) se forma com base nas experiências que o bebê acumula. "É aquilo que faz o indivíduo sentir que ele é único." A relação com a mãe leva o bebê a administrar a própria espontaneidade e as expectativas externas. "Se a mãe aceitar as manifestações do bebê como a fome, o desconforto, o prazer e a vontade, em vez de impor o que acredita ser o certo, o bebê vai acumulando experiências nas quais ele é sempre o sujeito, e o self que se forma pode então ser considerado verdadeiro". Porém o self construído em torno da vontade alheia é o que Winnicott chama de falso e que priva o indivíduo de liberdade e de criatividade.

Uma das frases famosas de Winnicott é "não existe essa coisa chamada bebê", não há criança sem uma mãe (que não precisa ser necessariamente a que deu à luz). A "mãe suficientemente boa"é aquela cuja percepção das necessidades do bebê a leva a responder adequadamente aos diferentes estágios do desenvolvimento dele. Isso faz com que se crie um ambiente ("colo") propício a um processo de formação de um ser humano independente. Winnicott não considerava que a possibilidade de a mãe se tornar o ambiente favorável para o bebé fosse dependente apenas de uma boa condição interna dela. Para o autor, ela precisa, também, de um ambiente que a assegure durante essa fase, o que Winnicott acreditava ser um papel paterno inicial. O pai precisa sustentar o estado materno de preocupação, proporcionar à mãe um suporte, impedindo que ela se ocupe com coisas alheias à sua relação com o bebé.

É esse ambiente total - pai e mãe no exercício dos seus papéis - que vai permitir ao bebé o desenvolvimento do seu Eu. Ele assim vai experienciando os seus momentos de tranquilidade e impulsividade.

Devemos adotar sempre uma postura tolerante e criar condições para que a criança desfrute de liberdade. Nada mais importante, nesse sentido, do que o papel da brincadeira - fundamental para Winnicott, não apenas na infância. Brincar pressupõe segurança e criatividade. Crianças com problemas emocionais graves não brincam, pois não conseguem ser criativas.

O cobertorzinho- objeto transicional

O movimento da psique entre o mundo das coisas e as fabricações da mente é uma atividade "transicional", adjetivo fundamental na obra de Winnicott. O conceito mais conhecido é o de "objeto transicional", representado classicamente pelo cobertorzinho a que muitos pequenos se agarram numa determinada fase. Esse objeto é ao mesmo tempo uma coisa objetiva - existe num mundo compartilhado - e subjetiva - para seu dono, ele faz parte de uma fantasia, possui vida própria".

O objeto transicional prolonga o período em que o bebê se acredita onipotente, enquanto ele substitui essa crença com a aceitação de uma realidade sobre a qual não tem controle nem pode modificar por meio da imaginação. O bebê se vê com poderes mágicos e, com o tempo, percebe a ilusão. Mas, com as brincadeiras e o aprendizado do mundo, a criança, o adolescente e o adulto retêm o poder de criar e adaptam-se às possibilidades reais. "A fantasia é realmente a marca do humano, já a objetividade é uma habilidade que se aprende, como uma segunda língua."

"O homem maduro é aquele capaz de identificar-se com a sociedade sem ter que sacrificar excessivamente sua espontaneidade, é capaz de atender suas necessidades pessoais sem tornar-se por isto um ser anti-social, e de aceitar certa responsabilidade quando isto se tornar necessário.

A psicanálise winnicottiana orienta-se pela teoria do amadurecimento pessoal normal.

"É necessário salientar como os sentimentos do bebê são muito mais intensos do que podemos supor através da empatia. O bebê normalmente vê o prazer que o corpo oferece no manejo das ansiedades, pois a satisfação e o prazer significam para ele que existe bondade no mundo, de modo que ele estabelece pessoas e coisas boas dentro dele; esta crença nas coisas lhe permite suportar a dor e a frustração, que geram maldade, ódio, e o fazem encontrar pessoas e coisas más dentro dele – objetos maus que ele teme que destruam os bons, e que quer colocar fora dele se puder fazer isso de forma segura. "(Winnicott, 1936b, p. 144).

“crença em...” é um termo utilizado para expressar a capacidade que a criança adquire para acreditar naquilo que a sua família ou a sua sociedade acreditam.

Winnicott afirmou que a agressividade que alguns bebês manifestam não é exclusiva da emergência de instintos agressivos primitivos, ele reage ao tipo de cuidados que recebe. A criança sente que as coisas dentro dela são boas e más, assim como as coisas do mundo externo. É importante considerar a natureza das defesas do bebê e o grau de desenvolvimento da sua capacidade para fazer reparações. Tudo isto está ligado à idéia de que “a capacidade da criança de manter vivo o que ela ama, e sustentar a crença em... sua capacidade de amar, tem um peso determinante sobre as qualidades (‘boas’ ou ‘más’) que lhe parecerão ter tanto as coisas do mundo externo quanto as do seu interior” (1941b, p. 122).

Em “Alimentação do bebê” (1945c), o autor afirmou que a alimentação da criança é uma questão de relações mãe-filho; é um “ato de por em prática a relação de amor entre dois seres humanos” (1945c, p. 31). A alimentação natural é dada quando o bebê a quer, e ela cessa quando bebê cessa de querê-la; “é nessa base, e só nela, que um bebê pode começar a transigir com a mãe; o primeiro sinal de transigência é a aceitação de uma alimentação regular e segura” (1945c, p. 34). A única base autêntica para as relações de uma criança com a mãe e o pai, com as outras crianças e, finalmente, com a sociedade, consiste na primeira relação bem sucedida entre a mãe e o bebê, entre duas pessoas, sem que mesmo uma regra de alimentação regular se interponha entre elas, nem mesmo uma sentença que dite que um bebê deve ser amamentado ao peito materno. Nos assuntos humanos, os mais complexos só podem evoluir a partir dos mais simples.

“Por que choram os bebês?” O choro triste é algo que significa que a criança “alcançou seu lugar no mundo”, que em vez de reagir às circunstâncias, ela passou a sentir responsabilidade pelas circunstâncias. A criança pode sentir-se totalmente responsável pelo que lhe sucede e pelos fatores externos da sua vida e, aos poucos, com os devidos cuidados maternos, ela poderá fazer a distinção pelo que ela de fato é responsável e pelo que ela sente como se fosse de sua responsabilidade.

No texto “Para um estudo objetivo da natureza humana” , Winnicott utilizou o termo “superego pessoal”, referindo-se a uma época em que a criança ainda não é uma unidade independente e seu ego está no processo de construir um “superego pessoal” para o manejo e emprego dos instintos. Segundo o autor, para que a construção se efetive, se faz necessário um ambiente estável, com seres humanos amorosos; “as pessoas circundantes são usadas pela criança em crescimento como ideais e como rigorosas, durante o processo de construção de um superego mais pessoal, com suas próprias idéias sobre controle e liberdade”.

“Alguns aspectos psicológicos da delinqüência juvenil” - uma comparação entre a criança normal e a anti-social. Para ele, a criança normal desenvolve a capacidade para controlar-se, desenvolve um “ambiente interno” que tende para descobrir um “bom meio”. Já a criança anti-social, que não teve a oportunidade de criar um bom “ambiente interno”, precisará de um “controle externo se quiser ser feliz e capaz de brincar ou trabalhar”.

No texto “Necessidades ambientais; os estágios iniciais; dependência total e independência essencial” , Winnicott afirmou literalmente que “moralidade é uma questão de compromisso” referindo-se a crianças que chegaram a certo estágio, o “estágio de seres humanos completos” (têm idéias próprias sobre o certo e o errado e são capazes de perceber que o outro tem o seu ponto de vista).

Em estágios mais primitivos a moralidade pode ser entendida como uma coisa “terrorífica e terrível”, onde não existe compromisso e as questões são encaradas como de vida e morte. Nada pode ser feito se alguém deixou alguma coisa incompleta nesses estágios e essas pessoas não podem aceitar compromissos.

O texto “O bebê como uma organização em marcha” traz a idéia de que a tendência para a vida e para o desenvolvimento faz parte de algo “inato” no bebê. Os bebês possuem uma “centelha vital e seu ímpeto para a vida, para o crescimento e o desenvolvimento é uma parcela do próprio bebê, algo que é inato na criança e que é impelido para frente de um modo que não temos de compreender”.

“A moralidade inata do bebê” descreve duas formas de se apresentar às crianças normas de moralidade. A primeira se refere aos pais “implantarem” estas normas e “forçarem” a aceitação do bebê ou da criança. A segunda maneira se refere à facilitação e ao incentivo das “tendências inatas para a moralidade”.

“As crianças e as outras pessoas” se refere ao fato de a mãe continuar sendo uma pessoa viva para o bebê, nos momentos de ataque e, com isso, permitir que ele descubra o “sentido nato da culpa” que, segundo Winnicott, constitui o “único sentimento apreciável de culpa e a principal fonte do impulso urgente para consertar, para recriar e para dar”. “A mãe não impede que a criança tenha idéias de destruição e assim permite que a culpa inata se desenvolva segundo seu próprio rumo".
“A posição depressiva no desenvolvimento normal enquanto uma conquista” - o bebê chega à posição depressiva sendo sustentado pela mãe ao longo de uma fase de sua vida. O termo “posição depressiva” é chamado de “estágio do concernimento. É neste estágio que o indivíduo humano passa da pré-piedade para a piedade, ou concernimento. Ele afirmou que, na medida em que o bebê é “abençoado” com uma mãe que sobrevive, que reconhece um gesto de doação, que permite a reparação e a restituição, que sustenta a situação no tempo, se estabelece então um “círculo benigno”. O fortalecimento deste círculo faz com que o bebê seja capaz de tolerar as dificuldades das experiências instintivas e, de acordo com Winnicott, aqui está a origem do sentimento de culpa, uma “culpa verdadeira”, que não é implantada e que surge da junção das duas mães, do amor tranqüilo e excitado, do amor e do ódio.

“Agressão, culpa e reparação”, partindo do ponto em que a destrutividade se transforma em construtividade, Winnicott assinalou que o sentimento de culpa envolvido nesta situação era “silencioso” e “não consciente”; classificou-o também como “potencial”, anulado pelas atividades construtivas e o diferenciou do sentimento de culpa clínico que, para ele, tem uma carga consciente.

Em “O desenvolvimento da capacidade de se preocupar”, o autor analisou o emprego das palavras “preocupação” e “culpa”. Para ele, “a palavra ‘preocupação’ é empregada para expressar de um modo itivo um fenômeno que em seu aspecto negativo é expresso pela palavra ‘culpa’ ”. Assim, a preocupação diz respeito a uma “maior” integração do ego e tem uma relação “positiva” com o senso de responsabilidade, ao contrário da culpa, que implica “um certo grau” de integração e corresponde a uma ansiedade ligada ao conceito de ambivalência. Preocupação significa que o indivíduo passou a se importar, ou a valorizar, e também sentir e aceitar responsabilidade.

Winnicott trouxe uma idéia em analogia à crença que a criança tem em Deus; a “crença em...” é algo a se desenvolver na criança, diz respeito a uma confiança que ela já tenha sobre uma experiência. A criança passa a acreditar naquilo que ela já sabe. Pode-se transmitir o deus da casa para uma criança que desenvolveu a “crença em...”; porém, se ela não tiver desenvolvido a “crença em...” Deus será um mero truque de pedagogia. Ao analisar esta idéia de crer em Deus, Winnicott afirmou que as religiões fizeram muito do pecado original, mas nenhuma chegou à idéia da “bondade original”, onde se cria e recria o conceito de Deus.

“Não é solução para os valores morais aguardar que a criança desenvolva seus próprios valores, não se encarregando os pais de oferecer nada que se origine do sistema social local”,  os pais têm que ajudar as crianças a descobrirem os códigos morais sociais e “dar exemplo”, um exemplo “sincero”, ressaltou, não superior ao que os pais realmente sejam.

“inconfiabilidade” na figura materna, que torna inútil o esforço construtivo da criança e pode fazer com que o sentimento de culpa seja “intolerável”. Deste modo, a criança retrocede para a inibição, para a perda do impulso que é parte do amor primitivo. A segunda questão é “pior”: as experiências iniciais não possibilitam o processo inato para a integração, não existe unidade e nem senso de responsabilidade.

Em “A criança no grupo familiar” - a família é um lugar onde a criança pode descobrir o amor e o ódio, onde ela pode esperar simpatia e tolerância; é ela também que leva a criança a outros agrupamentos que, aos poucos, vão se ampliando até chegar ao tamanho de uma sociedade local e da sociedade em geral.
Na realidade do mundo onde as crianças precisam viver como adultos, toda lealdade indica uma “natureza oposta” ou deslealdade. Uma criança que teve a oportunidade de alcançar estas descobertas dentro de sua família, estará em melhores condições para “assumir seu lugar no mundo”. A afirmação “EU SOU” é uma das palavras mais “agressivas” e “perigosas” do mundo; só quem as alcança pode ser um membro adulto da sociedade.

O estado de unidade é a conquista básica para a saúde no desenvolvimento emocional de todo ser humano. Com base nesse estado, a personalidade unitária pode se permitir a identificação com unidades mais amplas – digamos a família, o lar ou a casa. Agora, a personalidade unitária é parte de um conceito de totalidade mais amplo. E logo vai se tornar parte de uma vida social cada vez mais ampla, incluindo as questões políticas; e (no caso de algumas pessoas) de algo que pode ser chamado de cidadania no mundo. (...)

A base de tal divisibilidade é o self unitário, talvez transferido  para Deus. E aí retornamos ao monoteísmo e à aquisição de um significado para um, solitário, único; como é veloz a quebra de um em três, trindade! Três, o número da família mais simples possível.

Um: um bebê dá um chute no seio da mãe. Ela fica satisfeita por seu bebê estar vivo e dando pontapés, embora talvez doa e ela não se permita ser machucada por brincadeira.
Dois: um bebê chuta o seio da mãe, mas esta mãe tem idéia fixa de que golpes no seio causam câncer. Ela reage, porque não aprova o pontapé e isto sobrepõe-se ao que quer que o chute possa significar para o bebê. A criança defrontou-se com uma atitude moralista e dar pontapés não pode ser explorado como maneira de situar o mundo ao qual ele pertence, que é o lado de fora. (...) É agora impossível para o menino ou para a menina sentirem-se preocupados, porque o código moral da mãe ergueu-se como um bloqueio ao crescimento natural no bebê de um senso de certo e errado, e de culpa e pesar. (...) Estes dois mundos são tão diferentes como água e azeite. Qualquer debate da “posição paranóide” em cultura pura é fútil, a menos que a provisão ambiental seja primeiramente avaliada e admitida. 

Com base na análise cronológica de textos, pode-se afirmar que a origem da moralidade para Winnicott se encontra nas primeiras relações de compromisso estabelecidas entre o bebê e sua mãe e acompanham o amadurecimento pessoal do bebê junto a um ambiente suficientemente bom. Para o autor, estas relações de compromisso se estabelecem no primeiro ano de vida do bebê.

Por conseguinte, as palavras-chave para o estudo da origem da moralidade winnicottiana são: tendência inata, confiabilidade, preocupação, concernimento.

Nenhum comentário:

Postar um comentário