Dra. Débora Christina Ribas D'Ávila

Ed. Life Town Cambui, rua dos Alecrins, 914, sala 408 , fone (19)99478-6060, Campinas, São Paulo, Brazil

31/07/2011

A MÃE PERFEITA É UM MITO

A MÃE PERFEITA É UM MITO

Revista Veja – Entrevista com Elisabeth Badinter – Edição 2226

Poucos intelectuais falam sobre os DILEMAS DA MATERNIDADE com a CORAGEM da filósofa francesa Elisabeth Badinter, 67 anos. Professora da École Polytechnique, autora de uma dezena de livros, ela sempre causou polêmicas que extrapolaram a academia. Em 1980, lançou um livro em que questionava a noção de instinto materno. A mais recente controvérsia gira em torno de seu novo trabalho, Le Conflit: la Femme et la Mère (O Conflito: a Mulher e a Mãe), best-seller na França, recém-lançado no Brasil. Badinter ataca um grupo de feministas que ajuda a consolidar no pensamento moderno a ideia de que toda mulher deve ser mãe – e perfeita. Herdeira do grupo de publicidade Publicis e mãe de três filhos, ela concedeu a entrevista de Paris, onde mora com o marido, Robert Badinter, ex-ministro da Justiça da era Mitterrand.

Como a senhora conseguiu despertar a ira de feministas, ecologistas e acadêmicos?

Tento desconstruir um mito que vem se consolidando nas sociedades modernas com a participação de todos esses grupos: o da mãe perfeita. Movidos por ideologias as mais variadas, feministas, ecologistas e os intelectuais que eu combato tratam de sedimentar no caldo cultural do século XXI a ideia de que, uma vez mãe, a mulher deve se enquadrar em um modelo único, obedecendo a dogmas que, de tão atrasados, sepultam os avanços mais básicos trazidos pela industrialização. Estou falando de pessoas que torcem o nariz para as cesarianas e chegam a fazer apologia do parto sem anestesia, sob o argumento de que há beleza no sacrifício feito em nome dos filhos já no primeiro ato. Demonizam o uso da mamadeira e até o da fralda descartável. Para essa gente, as mães nunca devem estar indispostas para suprir as necessidades de sua prole. Essa pressão só causa frustração e culpa nas mulheres.

A senhora está dizendo que as próprias feministas agitam hoje bandeiras que trazem frustração e culpa às mulheres?

Uma parte delas, não há dúvida, está dando marcha à ré em relação a conquistas anteriores. Pois elas estão, no fim das contas, retirando o direito de escolha das mulheres. Olhe um exemplo bem claro do que digo. Em 2009, a então ministra da Justiça francesa, Rachida Dati, voltou à ativa poucos dias depois de dar à luz. Foi o suficiente para que algumas feministas ficassem possessas. “O que essa ministra está fazendo que não ficou em casa amamentando seu bebê?”, elas indagavam. Diziam que os empregadores poderiam agarrar-se àquele caso para se insurgir contra a licença-maternidade e outros direitos adquiridos pelas mulheres que são mães. Em suma, politizaram a discussão sem se preocupar com aquilo que, afinal, é o fundamental: que, entre parâmetros razoáveis, elas possam exercer a maternidade à sua maneira, de acordo com seus valores e convicções. Pois digo mais sobre essas feministas: elas estão contribuindo para que as mulheres voltem para o lar!

Mas não é uma bandeira oposta à que sempre defenderam?

Não é que elas trocaram de bandeira, só que sua mensagem vai em direção contrária ao que apregoam. Essas feministas dizem que as mulheres apresentam certas características, como ternura e compaixão, que as distinguem dos homens de forma decisiva. Para elas, ser mãe seria como uma extensão natural da própria natureza feminina e, por isso, todas deveriam exercer seu lado maternal. É como um ato, uma demarcação de território. Certamente a maioria das mães de hoje não se reconhece nesse discurso, mas ele acaba se juntando ao de outras tantas cabeças pensantes equivocadas que tratam de idealizar a maternidade. Diante de tamanha pressão, muitas mulheres acabam deixando o mercado de trabalho no afã de atender às demandas que recaem sobre elas. Refiro-me a gente com alta escolaridade e com todas as chances de prosperar.

Apesar da pressão pela maternidade a que a senhora se refere, os dados demográficos mostram uma queda acentuada nos índices de fecundidade em países europeus, assim como no Brasil…

As estatísticas confirmam o que os demógrafos já previam: são principalmente as mulheres mais escolarizadas e egressas dos mais altos estratos de renda que estão-tendo menos filhos, ou nenhum. Vejo nisso um efeito direto da cobrança pela maternidade perfeita de que tanto falo. Na iminência de ficarem reféns de tantas exigências sociais, muitas simplesmente desistem de se tornar mães.

Essa pressão de que a senhora trata varia de uma cultura para outra?

Existe uma lógica bastante clara. A cobrança por perfeição incide mais sobre a cabeça daquelas mães que encarnam simbolicamente o papel de superpoderosas. Refiro-me, por exemplo, à mama italiana, à kenbo japonesa e à mutter alemã. O resultado se percebe nas estatísticas. Na Alemanha, um terço de todas as mulheres com ensino superior completo opta por não ter filhos. Trata-se de um dado espantoso. É claro que, além de toda a pressão que pesa sobre as alemãs, recai sobre elas a dificuldade de achar uma boa creche e contar com uma estrutura que lhes permita manter um trabalho.

Muitas mulheres acabam cedendo à pressão de se tomar mães, mesmo que esse não seja um desejo delas?

É mais frequente do que se poderia esperar em sociedades ocidentais avançadas. E isso não é bom. A experiência mostra de forma bastante enfática que, em geral, mulheres que nunca desejaram a maternidade, mas que acabam tendo filhos em razão da pressão da família e dos amigos, tornam-se mães impacientes, frustradas e medíocres. É espantoso que em um mundo tão moderno como este em que vivemos não pareça razoável que urna mulher simplesmente não deseje ser mãe! É como se isso significasse uma recusa à própria natureza. Os estereótipos negativos sobre as mulheres que não querem ter filhos são os piores possíveis: egoístas, insatisfeitas, imaturas, incompletas, carreiristas, só para citar alguns. Mesmo que eles não sejam verbalizados, estão sempre presentes. Uma bobagem que tem raízes mais antigas no pensamento ocidental.

Mas, afinal, os hormônios não têm influência direta na ligação afetiva que uma mãe trava com seu filho?

Sabemos que cada mulher apresenta uma sensibilidade diferente à atividade hormonal quando tem seu filho. O que é determinante para todas elas é o caldo cultural do qual emerge a ideia do amor materno, como um sentimento que deve ser livre de imperfeições e ambiguidades. É curioso notar que o conceito de maternidade tem variado na história de acordo com as mudanças socioeconômicas. Nas sociedades mais primitivas, ser mãe significava primeiro, colocar mais gente na tribo para fortalecer numericamente o grupo e enfrentar melhor os inimigos e, segundo, aumentar a capacidade produtiva. Revisito a história para relativizar essa ideia do instinto materno, que tem hoje uma aura de sagrado. Mães são naturalmente imperfeitas, como é inerente à própria espécie humana!

Quando surge o conceito de maternidade tal como conhecemos hoje?Apenas a partir do século XVIII, sob influência direta do filósofo francês Jean-Jacques Rousseau. Foi com a publicação de Émile, em 1762, que Rousseau deu o primeiro e decisivo impulso para a concepção de família fundamentada no amor materno, como é hoje. Naquele tempo, com o apoio principalmente dos médicos, ele conseguiu convencer a sociedade francesa a valorizar mais a função materna, argumentando que isso significava para as mulheres a reconquista do papel superior que lhes foi dado pela natureza.

Naquele tempo, nem mesmo as crianças eram reconhecidas por suas característica particulares, certo?

É verdade. Elas eram vistas apenas com adultos em miniatura, com pouca ou nenhuma importância na família. Entregues às amas para que as alimentassem e criassem, só voltavam ao convívio dos pais por volta dos cinco anos. Durante os séculos seguintes, todos os pensadores que se debruçaram sobre a maternidade e a infância retornaram à filosofia Rousseauniana, divulgando-a e aprofundando-a. É a própria história que nos conduz a uma conclusão óbvia: a de que o amor materno não é instintivo, como tantos apregoam, mas sim uma ideia construída.

As supermães de hoje são o produto mais acabado dessa construção história?

As mães que põem os interesses e as vontades dos filhos sempre acima dos seus são vítimas deste equívoco historicamente determinado. Essas mães acreditam que a dedicação incondicional pode ajudar a produzir uma criança perfeita, resultado dos incentivos constantes. Nada mais típico do grande equívoco atual, baseado numa interpretação exagerada da psicanálise, do que a ideia de que as crianças devem ser poupadas de toda e qualquer frustração. Esse excesso costuma produzir efeitos colaterais desastrosos: tanto para a mãe como para a criança.

Quais efeitos exatamente a senhora se refere?

Não raro, os filhos tomam o controle da situação e se tornam pequenos tiramos em casa: fenômeno que na França chamamos de L’Enfant Roi (algo como “A criança reina”). Por outro lado, causa frustração às mulheres colocarem-se sempre em segundo plano. Não estou dizendo aqui, nem de longe, que existe uma fórmula ideal para a maternidade. Algumas mães podem deixar o emprego em nome dos filhos e ficar contentes com esta opção. Outras não. Chama-me muito a minha atenção ver mulheres com expressões vazias quando cuidam de seus filhos nas praças e jardins. Fico me perguntando: qual é o problema de reconhecer que não querem passar o dia inteiro com os seus filhos? Evidentemente, elas acham que isso significaria amá-los menos.

Mas esse dilema materno não é o mesmo de sempre?


Não. De certo modo, as mulheres que têm filhos atualmente procuram ser a antítese das próprias mães. Pode-se dizer que o modelo das mulheres que lutaram por seus direitos na década de ’70, se por um lado resultou em avanços para elas, por outro se tornou constante fonte de estresse e frustração. A atual geral de mulheres assistiu à própria mãe tentando equilibrar-se em uma rotina extenuante, comprimida entre trabalho e filhos. Com esse exemplo em casa muitas das jovens de hoje enxergam na maternidade em tempo integral uma chance de levar uma vida menos maçante, uma vida mais prazerosa e plena. Talvez, se não fossem tão pressionadas a desempenhar esse papel, sempre em busca da PERFEIÇÃO, elas poderiam ter seus filhos e ainda assim conseguir trabalhar: tudo com muito mais leveza!

Em que medida o papel dos homens está mudando?


Claramente, as últimas décadas não têm sido fáceis para eles. As mulheres conquistaram o mercado de trabalho, se tornaram financeiramente independentes e, como tratores, acumularam responsabilidades dentro e fora de casa. Os avanços foram incríveis. E o que restou para os homens? Muitas cobranças e uma percepção ainda difusa sobre o seu real papel: algo que, em minha opinião, pode se definir com maior clareza nas décadas que virão. Como contribuição dos conceitos de feminstas mais radicais, ainda prevalecem uma visão muito negativa do sexo masculino. São difundidos estereótipos que em nada ajudam a compreender o mundo de hoje. É absurda a ideia ainda tão propagada de que as mulheres são, por definição, vítimas.

Qual a sua visão particular do que afinal, é ser uma boa mãe?


Esse é um assunto em que, definitivamente, não cabe modelos excludentes. É natural que a maternidade varie segundo valores, crenças e cultura familiares de cada mulher. Portanto, o máximo que posso dizer é o que sinaliza a experiência de forma bem clara: o ponto ideal é aquele em que as mulheres mantenham a equidistância entre os próprios desejos e os de seus filhos. Em outras palavras, que alcancem um ponto de equilíbrio em que não fiquem excessivamente próximas a ponto de roubar o espaço necessário ao desenvolvimento das crianças; nem tão distantes que pareçam ausentes. As mães são, afinal, referência afetiva e intelectual imprescindível aos filhos. Infelizmente, esse modelo mais harmonioso e livre de tantas cobranças é bem raro no mundo atual.

29/07/2011

Embaixadores da Prevenção

Oi, gente,




Estou participando de um projeto que tem como objetivo realizar prevenção ao uso de álcool, tabaco e drogas entre crianças, já que o primeiro contato com tais substâncias tem acontecido entre 10 e 12 anos!!!



Gravei 2 entrevistas para o programa AÇÃO NACIONAL, apresentado na TV Séc XXI às quintas-feiras 22:30h - o primeiro deles foi ao ar ontem e o segundo será apresentado dia 4/08.



Amanhã, sábado 30/07/2011, participarei de um debate ao vivo na mesma emissora, de 09:30 às 11:30h, no programa ORIENTE-SE, com Ivan Capelato e Ricardo Galhardo. O Programa é interativo e os telespectadores podem enviar perguntas.



Esse projeto é muito especial para mim, estou bastante envolvida com ele e gostaria de compartilhá-lo com vocês, convidá-los a participar e pedir sua ajuda para divulgá-lo.



Muito obrigada!



Débora

23/07/2011

Bons Professores: títulos ou motivação?

Pesquisadores de quatro universidades brasileiras analisaram 165 estudos nacionais e internacionais sobre aprendizado escolar e concluíram que o fator mais importante em sala de aula é a qualidade do professor. Uma das análises revelou que um bom docente aumenta em até 68% a proficiência do aluno. O levantamento faz parte de uma iniciativa do movimento Todos pela Educação e do Instituto Ayrton Senna, cujo objetivo é apontar caminhos para a melhoria do ensino no Brasil.

O tamanho e a composição da turma ocupam o segundo e terceiro lugar, respectivamente, no ranking dos fatores que mais influenciam a capacidade de aprendizado. Classes menores permitem atendimento individualizado e turmas homogêneas – com alunos da mesma idade e desempenho semelhante – facilitam o preparo da aula e a exposição do conteúdo. Em seguida vem o calendário escolar – com fatores como o número de dias letivos e de faltas dos docentes – e a experiência do professor em sala de aula.

Estudos demonstram que um aluno que estuda com os melhores professores da rede em vez de ter aula com os piores docentes aprende cerca de 68% a mais do que o aprendizado médio dos alunos durante o ano letivo.

Critérios frequentemente usados para seleção dos profissionais e definição de salários, como titulação e anos de carreira, não são sinônimos de qualidade. O sucesso do professor pode depender mais de características não observadas nas pesquisas, como liderança, motivação e persistência.

Quanto maior o número de alunos por classe, menor a atenção dada pelo professor a cada um, o que pode comprometer o aprendizado. Menos estudantes é sinônimo de atendimento individualizado.

Estudos indicam que o aprendizado é mais favorável em classes homogêneas, pois o professor pode preparar a aula segundo o nível da turma. O docente também se sente mais motivado e empenha-se mais em ensinar.A diversidade da turma traria por si só ganhos para os alunos em termos de convivência e respeito às diferenças.
Ter aula com um professor inexperiente, comparado a um docente com no mínimo dois anos de experiência, faz os alunos aprenderem 22% a mais no ano letivo. Além disso, é crescente a indicação de que a experiência do professor é mais importante nas comunidades mais vulneráveis.

A ausência do professor pode ter não só um impacto direto no aprendizado dos alunos, com a redução no número de aulas, mas também um efeito indireto sobre sua motivação.

- Foram selecionados 17 pesquisadores da Fundação Getulio Vargas (FGV/SP), Instituto Brasileiro de Mercado de Capitais (Ibmec/RJ), Universidade de São Paulo (USP) e Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG).
- Eles analisaram mais de 600 pesquisas nacionais e internacionais sobre educação e selecionaram as 165 mais significativas.
- O principal critério para seleção foi a publicação dos estudos em revistas e periódicos científicos, livros ou a inclusão em dissertações de mestrado e teses de doutorado.
- A partir dos estudos foram criados 25 verbetes que fazem parte do site www.paramelhoraroaprendizado.org.br, mantido pelo movimento Todos pela Educação e pelo Instituto Ayrton Senna.

O levantamento mostra que a seleção de professores não pode ser realizada somente com base em concursos e certificações. Há aspectos que precisam ser considerados (e, em geral, são deixados de lado), como a didática e o nível de aprendizado dos estudantes que precisam ser levados em conta no recrutamento e melhoria da remuneração.

Os pesquisadores afirmam também que, como o desempenho pode variar a cada período, “seria importante que a remuneração desses profissionais levasse em conta não apenas seus atributos e características – tais como ser ou não concursado ou certificado –, mas também o desempenho de seus alunos ao longo do tempo.”

Conselheiro do Todos pela Educação, Mozart Neves Ramos explica que é da qualidade do docente que parte toda a aprendizagem. “O professor é o elemento central, é dele que depende a capacidade não apenas de ensinar, mas de provocar e estimular.”

Outro ponto ressaltado durante o levantamento é a importância do engajamento da comunidade escolar e da família, o que mostra que não são somente fatores objetivos que influenciam este processo. Ramos lembra que, após os resultados do Ideb de 2007, o Unicef fez um levantamento e comprovou que os melhores colégios eram aqueles com alto poder de mobilização.

A infraestrutura e os recursos pedagógicos são fundamentais para o aprendizado, mas o levantamento realizado pelos pesquisadores demonstra que ainda faltam estudos para avaliar os impactos negativos de uma escola sem acesso à rede de esgoto ou quadra poliesportiva, por exemplo.

Consultor da Unesco e professor da Universidade de Brasília (UNB), Célio da Cunha argumenta que a escola precisa de infraestrutura básica para garantir a aprendizagem. “Para incentivar a leitura é preciso uma biblioteca e o estudante precisa também ter acesso a novas tecnologias. Por outro lado, como estudar em uma sala que não tem ventilação adequada?”, questiona.

O levantamento confirmou que questões simples, como dever de casa e atividades extracurriculares, são importantes no aprendizado, embora ainda faltem pesquisas nestas áreas. No caso do dever, por exemplo, a eficiência é ainda maior quando o docente corrige a tarefa.

Pedagoga e professora da Pontifícia Universidade Católica do Paraná (PUCPR), Evelise Portilho afirma que a aprendizagem não ocorre somente no ambiente formal. Por isso, o dever e outras atividades podem ser decisivos. “Isso auxilia o estudante a buscar outras estratégias e caminhos que vão além da sala de aula.”

Apucarana, no Norte do estado, parece ter encontrado o caminho para garantir o aprendizado mínimo de todos os estudantes da rede pública. Em 2009, a nota do Ideb do município alcançou seis, meta estimada pelo governo federal para o Brasil apenas em 2022. Todos os 10.238 alunos ficam em período integral, projeto que começou a ser implantado em 2001. Os gestores investem 32% da arrecadação em educação, sete pontos porcentuais a mais do que estipula a Constituição.

Claudio Silva, responsável pela autarquia de educação de Apucarana, explica que o resultado mais positivo é a equidade da rede. Hoje 60% das escolas estão na média ou acima de seis, 29% estão a meio ponto da meta e apenas 10% estão um ponto atrás. “É o resultado de muito esforço. Para os professores, o maior ganho é a autoestima.”

Os mais de 150 estudos analisados desmitificam algumas ideias de senso comum sobre a figura do professor, entre elas a relação entre titulação acadêmica e desempenho. Um docente formado nas me lhores universidades traz impactos positivos, mas a mesma correla ção não existe com a conclusão ou não de um mestrado, por exemplo.

Pesquisas mostram que, entre estudantes da mesma escola e vindos de ambientes familiares semelhantes, não há diferença de aprendizado quando o professor tem formação superior ou completou uma pós-graduação. Conse lheiro do Todos pela Educação, Mozart Neves Ramos explica que uma das possibilidades é que há um descompasso entre o que é ensinado nas universidades e o que é exigido para os alunos da educação básica, por isso não há um impacto direto.

Outra hipótese é que as pesquisas existentes não conseguem mensurar a motivação dos docentes. Se um determinado professor tem o magistério como primeira opção certamente será melhor que alguém lecionando por simples falta de alternativa profissional, ainda que este tenha titulação acadêmica maior.

Por fim, uma última alternativa é que estabilidade, segurança e me lhor remuneração oferecidas a quem tem maior titulação possa ter impacto negativo sobre o esforço do professor em sala de aula. “De fato, qualquer privilégio definido segundo o nível educacional, em particular a diferença de remuneração, pode também servir de de sestímulo ao esforço dos professores”, dizem os pesquisadores do Todos pela Educação no documento.

22/07/2011

"Meu filho, você não merece nada" - Eliane Brum

Meu filho, você não merece nada

Ao conviver com os bem mais jovens, com aqueles que se tornaram adultos há pouco e com aqueles que estão tateando para virar gente grande, percebo que estamos diante da geração mais preparada – e, ao mesmo tempo, da mais despreparada. Preparada do ponto de vista das habilidades, despreparada porque não sabe lidar com frustrações. Preparada porque é capaz de usar as ferramentas da tecnologia, despreparada porque despreza o esforço. Preparada porque conhece o mundo em viagens protegidas, despreparada porque desconhece a fragilidade da matéria da vida. E por tudo isso sofre, sofre muito, porque foi ensinada a acreditar que nasceu com o patrimônio da felicidade. E não foi ensinada a criar a partir da dor.

Há uma geração de classe média que estudou em bons colégios, é fluente em outras línguas, viajou para o exterior e teve acesso à cultura e à tecnologia. Uma geração que teve muito mais do que seus pais. Ao mesmo tempo, cresceu com a ilusão de que a vida é fácil. Ou que já nascem prontos – bastaria apenas que o mundo reconhecesse a sua genialidade.

Tenho me deparado com jovens que esperam ter no mercado de trabalho uma continuação de suas casas – onde o chefe seria um pai ou uma mãe complacente, que tudo concede. Foram ensinados a pensar que merecem, seja lá o que for que queiram. E quando isso não acontece – porque obviamente não acontece – sentem-se traídos, revoltam-se com a “injustiça” e boa parte se emburra e desiste.

Como esses estreantes na vida adulta foram crianças e adolescentes que ganharam tudo, sem ter de lutar por quase nada de relevante, desconhecem que a vida é construção – e para conquistar um espaço no mundo é preciso ralar muito. Com ética e honestidade – e não a cotoveladas ou aos gritos. Como seus pais não conseguiram dizer, é o mundo que anuncia a eles uma nova não lá muito animadora: viver é para os insistentes.

Por que boa parte dessa nova geração é assim? Penso que este é um questionamento importante para quem está educando uma criança ou um adolescente hoje. Nossa época tem sido marcada pela ilusão de que a felicidade é uma espécie de direito. E tenho testemunhado a angústia de muitos pais para garantir que os filhos sejam “felizes”. Pais que fazem malabarismos para dar tudo aos filhos e protegê-los de todos os perrengues – sem esperar nenhuma responsabilização nem reciprocidade.

É como se os filhos nascessem e imediatamente os pais já se tornassem devedores. Para estes, frustrar os filhos é sinônimo de fracasso pessoal. Mas é possível uma vida sem frustrações? Não é importante que os filhos compreendam como parte do processo educativo duas premissas básicas do viver, a frustração e o esforço? Ou a falta e a busca, duas faces de um mesmo movimento? Existe alguém que viva sem se confrontar dia após dia com os limites tanto de sua condição humana como de suas capacidades individuais?

Nossa classe média parece desprezar o esforço. Prefere a genialidade. O valor está no dom, naquilo que já nasce pronto. Dizer que “fulano é esforçado” é quase uma ofensa. Ter de dar duro para conquistar algo parece já vir assinalado com o carimbo de perdedor. Bacana é o cara que não estudou, passou a noite na balada e foi aprovado no vestibular de Medicina. Este atesta a excelência dos genes de seus pais. Esforçar-se é, no máximo, coisa para os filhos da classe C, que ainda precisam assegurar seu lugar no país.

Da mesma forma que supostamente seria possível construir um lugar sem esforço, existe a crença não menos fantasiosa de que é possível viver sem sofrer. De que as dores inerentes a toda vida são uma anomalia e, como percebo em muitos jovens, uma espécie de traição ao futuro que deveria estar garantido. Pais e filhos têm pagado caro pela crença de que a felicidade é um direito. E a frustração um fracasso. Talvez aí esteja uma pista para compreender a geração do “eu mereço”.

Basta andar por esse mundo para testemunhar o rosto de espanto e de mágoa de jovens ao descobrir que a vida não é como os pais tinham lhes prometido. Expressão que logo muda para o emburramento. E o pior é que sofrem terrivelmente. Porque possuem muitas habilidades e ferramentas, mas não têm o menor preparo para lidar com a dor e as decepções. Nem imaginam que viver é também ter de aceitar limitações – e que ninguém, por mais brilhante que seja, consegue tudo o que quer.

A questão, como poderia formular o filósofo Garrincha, é: “Estes pais e estes filhos combinaram com a vida que seria fácil”? É no passar dos dias que a conta não fecha e o projeto construído sobre fumaça desaparece deixando nenhum chão. Ninguém descobre que viver é complicado quando cresce ou deveria crescer – este momento é apenas quando a condição humana, frágil e falha, começa a se explicitar no confronto com os muros da realidade. Desde sempre sofremos. E mais vamos sofrer se não temos espaço nem mesmo para falar da tristeza e da confusão.

Me parece que é isso que tem acontecido em muitas famílias por aí: se a felicidade é um imperativo, o item principal do pacote completo que os pais supostamente teriam de garantir aos filhos para serem considerados bem sucedidos, como falar de dor, de medo e da sensação de se sentir desencaixado? Não há espaço para nada que seja da vida, que pertença aos espasmos de crescer duvidando de seu lugar no mundo, porque isso seria um reconhecimento da falência do projeto familiar construído sobre a ilusão da felicidade e da completude.

Quando o que não pode ser dito vira sintoma – já que ninguém está disposto a escutar, porque escutar significaria rever escolhas e reconhecer equívocos – o mais fácil é calar. E não por acaso se cala com medicamentos e cada vez mais cedo o desconforto de crianças que não se comportam segundo o manual. Assim, a família pode tocar o cotidiano sem que ninguém precise olhar de verdade para ninguém dentro de casa.

Se os filhos têm o direito de ser felizes simplesmente porque existem – e aos pais caberia garantir esse direito – que tipo de relação pais e filhos podem ter? Como seria possível estabelecer um vínculo genuíno se o sofrimento, o medo e as dúvidas estão previamente fora dele? Se a relação está construída sobre uma ilusão, só é possível fingir.

Aos filhos cabe fingir felicidade – e, como não conseguem, passam a exigir cada vez mais de tudo, especialmente coisas materiais, já que estas são as mais fáceis de alcançar – e aos pais cabe fingir ter a possibilidade de garantir a felicidade, o que sabem intimamente que é uma mentira porque a sentem na própria pele dia após dia. É pelos objetos de consumo que a novela familiar tem se desenrolado, onde os pais fazem de conta que dão o que ninguém pode dar, e os filhos simulam receber o que só eles podem buscar. E por isso logo é preciso criar uma nova demanda para manter o jogo funcionando.

O resultado disso é pais e filhos angustiados, que vão conviver uma vida inteira, mas se desconhecem. E, portanto, estão perdendo uma grande chance. Todos sofrem muito nesse teatro de desencontros anunciados. E mais sofrem porque precisam fingir que existe uma vida em que se pode tudo. E acreditar que se pode tudo é o atalho mais rápido para alcançar não a frustração que move, mas aquela que paralisa.

Quando converso com esses jovens no parapeito da vida adulta, com suas imensas possibilidades e riscos tão grandiosos quanto, percebo que precisam muito de realidade. Com tudo o que a realidade é. Sim, assumir a narrativa da própria vida é para quem tem coragem. Não é complicado porque você vai ter competidores com habilidades iguais ou superiores a sua, mas porque se tornar aquilo que se é, buscar a própria voz, é escolher um percurso pontilhado de desvios e sem nenhuma certeza de chegada. É viver com dúvidas e ter de responder pelas próprias escolhas. Mas é nesse movimento que a gente vira gente grande.

Seria muito bacana que os pais de hoje entendessem que tão importante quanto uma boa escola ou um curso de línguas ou um Ipad é dizer de vez em quando: “Te vira, meu filho. Você sempre poderá contar comigo, mas essa briga é tua”. Assim como sentar para jantar e falar da vida como ela é: “Olha, meu dia foi difícil” ou “Estou com dúvidas, estou com medo, estou confuso” ou “Não sei o que fazer, mas estou tentando descobrir”. Porque fingir que está tudo bem e que tudo pode significa dizer ao seu filho que você não confia nele nem o respeita, já que o trata como um imbecil, incapaz de compreender a matéria da existência. É tão ruim quanto ligar a TV em volume alto o suficiente para que nada que ameace o frágil equilíbrio doméstico possa ser dito.

Agora, se os pais mentiram que a felicidade é um direito e seu filho merece tudo simplesmente por existir, paciência. De nada vai adiantar choramingar ou emburrar ao descobrir que vai ter de conquistar seu espaço no mundo sem nenhuma garantia. O melhor a fazer é ter a coragem de escolher. Seja a escolha de lutar pelo seu desejo – ou para descobri-lo –, seja a de abrir mão dele. E não culpar ninguém porque eventualmente não deu certo, porque com certeza vai dar errado muitas vezes. Ou transferir para o outro a responsabilidade pela sua desistência.

Crescer é compreender que o fato de a vida ser falta não a torna menor. Sim, a vida é insuficiente. Mas é o que temos.

E é melhor não perder tempo se sentindo injustiçado porque um dia ela acaba.

- ELIANE BRUM

16/07/2011

AS MÃES REFÉNS DO CRACK - Revista Veja - Ricardo Westin

AS MÃES REFÉNS DO CRACK


Revista Veja - Ricardo Westin

O crack causa uma devastação na vida de pais e mães dos dependentes. Uma pesquisa da Fundação Oswaldo Cruz indica que há hoje 1 milhão de viciados nessa droga no Brasil. Está presente em 98% dos municípios brasileiros. O crack subiu a escala social - estudantes universitários, empresários, advogados e até médicos.

Nenhuma droga danifica o cérebro com tanta rapidez. O viciado perde completamente o senso de julgamento e a responsabilidade. Fica agressivo. O viciado não se importa em passar dias ou semanas morando na rua. Diz Wagner Giudice, delegado do Departamento de Investigações sobre Narcóticos da Polícia Civil de São Paulo.

Um filho viciado em crack desestabiliza toda a família. As tentativas de impedi-lo de sair de casa não funcionam. Se as portas são trancadas, ele pula as janelas. Pega escondido o carro. Muitos pais passam noites em claro, esperando o telefone tocar - as ligações mais temidas são do hospital, da polícia e do necrotério. Alguns se arriscam procurando o filho nas cracolãndias pela madrugada. A promessa de que ele vai deixar o vício sempre soa sincera, mas nunca é cumprida. Os pais carregam seu tormento para o trabalho e para a vida social. A vida gira em torno do viciado. Muitas vezes o patrimônio familiar é dilapidado com caras e prolongadas internações em clínicas de desintoxicação. Um mês de estada nas melhores clínicas custa 20.000 reais.

O crack é uma forma mais potente de cocaína. Os efeitos de ambas as drogas são os mesmos: bem estar, energia e euforia. Essas sensações se devem ao cloridrato de cocaína, seu princípio ativo, que, chegando ao cérebro, libera dopamina, o neurotransmissor responsável pela sensação de prazer. A dopamina é liberada naturalmente pela comida e pelo sexo. A probabilidade de um iniciante se viciar em crack é o dobro da de se viciar em cocaína. A "brisa" do crack, como dizem os viciados, surge em dez segundos e se esvai em dez minutos. O efeito da cocaína leva alguns minutos para começar e se prolonga por até uma hora. Normalmente, basta uma semana para que a pessoa já não consiga ficar sem o crack. Com a cocaína, o vício leva meses para se estabelecer. Tanto o crack quanto a cocaína entram no Brasil em forma de pasta-base de coca, produzida na Colômbia, na Bolívia e no Peru. Os traficantes montam laboratórios caseiros perto dos pontos de venda para transformar a pasta-base em cocaína ou crack, conforme a demanda.

Há mais de cinquenta doenças desencadeadas pelo uso de crack: psiquiátricas, cardíacas, respiratórias e renais, entre outras. O enfisema pulmonar leva três décadas para se manifestar num fumante e poucos anos no usuário de crack. Para se recuperar do vício, o dependente precisa passar por um longo processo, que inclui internações, tratamento das doenças associadas, consultas frequentes com psiquiatra e psicólogo e atividades que ajudem a reinseri-lo na família e na sociedade. Também é útil participar de grupos de autoajuda, como os Narcóticos Anônimos. Já os pais e as mães do crack raramente contam com ajuda, orientação ou tratamento. Tendem a se afundar na dor, na raiva, na culpa e na vergonha. É por causa da vergonha das famílias que as ambulâncias que fazem as internações involuntárias têm mais trabalho durante a madrugada - assim, não se corre o risco de que os vizinhos descubram que o filho está doente.

A psicóloga Maria de Fátima Padin, da Universidade Federal de São Paulo ouviu 500 familiares de viciados e ex-viciados de São Paulo, principalmente das classes A e B. Em média, os pais levaram dois anos e meio para procurar algum tipo de ajuda. As principais razões para a demora:
não sabiam o que fazer (30%),
acharam que conseguiriam resolver o problema em casa (24%) 
pensaram que o uso de drogas seria passageiro (17%).

Apenas 11 %, acertadamente, pediram auxílio de um psiquiatra. Os grupos de apoio e as igrejas podem ser importantes na recuperação do viciado ­mas só depois que ele já passou por cuidados médicos e se desintoxicou.

Na prática, o único tipo de ajuda com o qual os pais e as mães podem contar são os grupos de apoio específicos para familiares de de­pendentes químicos. Os maiores são o Nar-Anon e o Amor Exigente.

Neste ano, a polícia de São Paulo apreendeu pela primeira vez o óxi, uma espécie de crack ao qual se acrescentam na preparação ingredientes baratos e perigosos como cal virgem, ácido bórico, ácido sulfúrico, gasolina e querosene. 

Um milhão de brasileiros são dependentes da mais perigosa das drogas. Ela não só acaba com a vida deles: é devastadora para as famílias

15/07/2011

21 anos de ECA (Estatuto da Criança e do Adolescente)

A secretária nacional de Promoção dos Direitos da Criança e do Adolescente, Carmen Oliveira, avalia que o Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA), que completa 21 anos, mudou a maneira como a sociedade lida com o público infantojuvenil. “Antes do ECA eles [crianças e adolescentes] eram considerados sujeitos menores de idade e menores também no acesso a direitos.”

Segundo a secretária, o ECA trouxe diversos avanços para o Brasil. Um dos pontos mais importantes foi a criação dos conselhos tutelares. “O conselho tutelar é uma figura ímpar, pois não existia na história brasileira antes do estatuto. Atualmente, 98% dos municípios têm conselhos tutelares”.


De acordo com ela, o governo pretende aumentar os investimentos nessas unidades. “É um investimento que vai ser feito para qualificar esse atendimento, para que realmente não tenhamos os problemas que temos, como conselho tutelar sem telefone, sem sala apropriada para atendimento, sem carro para fazer uma abordagem na rua ou para buscar uma situação de violação de direitos.”

Confira a seguir a entrevista com a secretária:

Agência Brasil: O Estatuto da Criança e do Adolescente completa 21 anos nesta quarta-feira. O que mudou nessas mais de duas décadas de vigência do estatuto?

Carmen Oliveira: De um modo geral [houve mudanças] sim, mas com algumas restrições. Temos hoje uma visível mudança do que tínhamos na vigência do antigo Código de Menores. Em primeiro lugar, porque não estava assegurada naquele marco legal a noção de que criança e adolescente têm direitos fundamentais, direitos humanos e iguais aos dos adultos. Eles eram considerados sujeitos menores de idade e menores também no acesso a direitos. Há, atualmente, um respeito maior sobre a opinião de crianças e adolescentes. Eles são chamados a dar suas opiniões, emiti-las, inclusive nos procedimentos judiciais. Isso é assegurado.

ABr: A maneira como a sociedade e as famílias lidam com crianças e adolescentes também mudou?

Carmen: Estamos vivendo um momento peculiar na vida contemporânea. Durante séculos, a infância e a adolescência não estavam na pauta. Não havia essa convivência com a própria família, tampouco com a comunidade. O conceito de infância é muito recente na história da humanidade e do adolescente é mais recente ainda. Temos as instituições e as famílias. Quando falo instituições, não falo só sobre as instituições de atendimento, mas também sobre a escola, que tem uma visão diferente dessa criança e desse adolescente. Não podemos atribuir isso apenas à vigência do estatuto, mas às mudanças culturais que foram acontecendo. Vivemos hoje um momento de implementação do estatuto e de mudanças culturais dentro deste momento da história da humanidade que faz com que a infância e a adolescência não sejam a mesma que tínhamos há 20 anos.

ABr: É difícil falar sobre o ECA e não abordar a questão social. Entre 2002 e 2010, houve um crescimento de 9.555 para 17.703 do número de adolescentes internados. Esse foi justamente o período em que houve o maior movimento de inclusão social e ascensão de classes econômicas. Por que houve esse crescimento? A questão da necessidade de cumprir medidas socioeducativas está atrelada à exclusão social?

Carmen: Podemos agrupar esses números sem distorcê-los. Por exemplo, pegando o corte de 1996 a 2004, tivemos um crescimento na internação de 218%. É praticamente impossível administrar um sistema iniciado com uma gestão com mil adolescentes e concluído com 2 mil. O que acontece é que você tem as mesmas unidades de internação para atender o dobro de meninos, e nessa duplicação você vai ter unidades superlotadas. Isso, para nós, é quase sinônimo de violação dos direitos. De 2004 a 2010, nós tivemos um aumento de 31% [das internações de adolescentes], ou seja, caiu de 218% para 31%. Em 2006, começamos a trabalhar já com o Sistema Nacional de Atendimento Socioeducativo [Sinase]. O sistema socioeducativo no Brasil tende à estabilização no momento. Nós estamos, assim, oscilando entre um ano sem crescimento, para anos com aumento de 2%, 4%. No ano passado, os 4% de crescimento são resultado do aumento na internação provisória [quando o juiz interna o adolescente provisoriamente até tomar uma decisão a respeito da medida que será aplicada].

ABr: Ainda há pontos que possam ser melhorados no ECA, passados esses 21 anos?

Carmen: Sim. Defendemos o contínuo aperfeiçoamento do estatuto. Não o consideramos um marco legal. Várias mexidas já foram feitas no ECA, tentando melhorar aquilo que se apresentava como lacuna ou até mesmo com uma certa impropriedade. Um exemplo concreto disso foi a Lei de Adoção, aprovada recentemente. Ela melhora o estatuto em vários pontos, tanto nos procedimentos de adoção quanto nos de abrigamento institucional. No que diz respeito ao sistema socioeducativo, temos hoje em tramitação no Congresso Nacional um projeto de lei que institui o Sistema Nacional de Atendimento Socioeducativo. Ele aprimora várias coisas do estatuto, como o cumprimento de medida de internação. O único direito restrito ao adolescente é o de ir e vir. Ele tem que ter acesso à saúde, à educação, à profissionalização. O Sinase vai tornar mais concreto o que deve ser feito nos casos de aplicação de medidas socioeducativas, inclusive as responsabilidades que o gestor tem na oferta desses cuidados.

ABr: Como está a questão dos conselhos tutelares no país?

Carmen: Um ponto a ser destacado são os conselhos tutelares. O conselho tutelar é uma figura ímpar, pois não existia na história brasileira antes do estatuto. Ele é tão pioneiro que não existe em nenhum outro lugar do mundo. Temos uma implantação muito boa, pois 98% dos municípios brasileiros têm conselho tutelar. Porém, a maioria funciona com grande precariedade. O entendimento da ministra Maria do Rosário [da Secretaria de Direitos Humanos] é que os conselhos tutelares são a nossa ponta de lança em direito da criança e do adolescente nos municípios. Vamos fazer um grande investimento de reordenamento. As instalações físicas serão financiadas, também haverá atendimento com um kit e equipamentos. É um investimento que vai ser feito para qualificar esse atendimento para que realmente não tenhamos os problemas que nós temos, como conselho tutelar sem telefone, sem sala apropriada para atendimento, sem carro para fazer uma abordagem na rua ou para buscar uma situação de violação de direitos.